
Especialista de economia, Carlos Magno alerta para o impacto financeiro e a transferência de riscos ao trabalhador diante de empréstimos com garantia do FGTS
Desde a sexta-feira (21), os trabalhadores do setor privado que atuam sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) podem contratar empréstimos consignados. Dessa forma, têm como opção utilizar parte do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia. A nova regulamentação, que já está disponível em bancos como o Bradesco, promete ampliar o acesso ao crédito com taxas de juros mais baixas. Contudo, especialistas apontam que a medida, apresentada como uma solução financeira, pode se transformar em uma armadilha de individualização para os trabalhadores brasileiros.
Empréstimo com desconto no FGTS na folha de pagamento
A principal atratividade da modalidade é a possibilidade de descontar as parcelas do empréstimo diretamente na folha de pagamento. Desse modo, reduz os riscos de inadimplência e, consequentemente, os juros aplicados pelos bancos.
Além disso, o trabalhador poderá utilizar até 10% do saldo disponível no FGTS como garantia e, em casos de demissão sem justa causa, 100% da multa rescisória, correspondente a 40% do saldo do fundo, poderá ser retida para quitar a dívida.
É preciso cuidado!
Embora a proposta seja apresentada como uma oportunidade de crédito acessível, os especialistas em finanças questionam suas previsões para os trabalhadores e os riscos associados. O economista e especialista em investimentos Carlos Magno aponta que a medida pode ter impactos financeiros negativos para aqueles que optam pelo consignado. “Na teoria, a proposta parece inofensiva até atrativa. Mas, quando analisamos com a inteligência financeira que o assunto exige, o que o governo está vendendo como solução pode, na prática, se tornar uma armadilha”, explica Magno.

Ele destaca que o FGTS rende, em média, 3% ao ano, enquanto as taxas de juros do novo consignado podem chegar a 3% ao mês. “Se você tem R$ 30 mil no FGTS e decidir pegar R$ 30 mil emprestados com base nessa garantia, em cinco anos, terá de devolver os R$ 30 mil e mais R$ 35 mil de juros. O custo total da ‘ajuda’ é de R$ 65 mil. E o mais irônico? Esse dinheiro é técnico seu, mas você não pode acessá-lo diretamente”, critica o especialista.
Magno também ressaltou os riscos em situações de demissão, quando o banco pode resgatar o valor emprestado diretamente do FGTS. “Você perde o emprego, enfrenta o desespero de não ter renda, e o pouco que teria direito a receber do FGTS vai direto para o banco. Esse modelo transfere o risco das instituições financeiras para o trabalhador”, argumenta.
O risco do endividamento
O especialista aponta que, em vez de capacitar o trabalhador com liberdade para utilizar seus recursos, a medida incentiva o ciclo de endividamento. “O discurso de ‘empréstimo com juros mais baixos’ esconde uma perversidade: é um dinheiro que você não deveria precisar pegar emprestado, porque já tem, mas não pode usar. Em qualquer cenário racional de planejamento financeiro, a recomendação é clara: jamais se endivide para acessar um dinheiro que já é seu”, afirma.
Para Magno, o modelo proposto é uma inovação de lógica e reforça a submissão do trabalhador ao sistema financeiro. “O FGTS precisa ser reformulado para servir ao trabalhador, não ao sistema bancário. Dividir-se para ‘acessar’ o que já é seu não é liberdade, é submissão”, conclui.
A proposta, embora atrativa à primeira vista, exige uma análise criteriosa por parte dos trabalhadores para evitar consequências financeiras de longo prazo. Os especialistas recomendam cautela antes de participar de nova modalidade e ressaltam a importância de compreender os custos reais do crédito e as implicações em casos de demissão.